Bella é uma senhora de seus setenta e tantos anos, alegre, extrovertida, excêntrica. Elegante e acinturada, supera os padrões de beleza aceitáveis para sua idade, aliás, é um pouco exótica para a média das conterrâneas que veraneavam no mesmo prédio. Loira Chanel do meio para a direita, do meio para a esquerda quase sem cabelo, os quais, nuns dias, eram roxos, noutros, vermelhos, azuis ou verdes. Simpática, atualizada, bem falante, charmosa, fazia amizade com facilidade, principalmente com os jovens e com os casais com crianças que sentavam nas mesas das calçadas para tomar sorvete nos estabelecimentos que ficavam no térreo de seu prédio, na esquina mais movimentada daquela praia. Estas amizades lhe rendiam noitadas animadas de cantorias, caminhadas pela praia, seções de piadas, envolvimento em passeatas, manifestações, e muito mais.
Isto incomodava suas vizinhas, viúvas sóbrias, setentonas (algumas oitentonas) com maridos emburrados que não mais lhes faziam companhia, e que ninguém os via, já que se enfurnavam nos apartamentos, pois iam a praia apenas para comer, dormir, assistir TV, e, esporadicamente, jogar cartas. Estas senhoras se sentiam ofendidas na moral e nos bons costumes pelo desempenho de Bella e nutriam um medo imaginário das coisas que poderiam acontecer se ela, um dia, por acaso, deixasse alguns destes seus amigos entrar no edifício, ou se bebessem nos jardins do prédio, ou se cantassem em alta voz, e até na possibilidade de desvalorização do imóvel pela frequência de gente de certo nível. O assunto no banco do hall era sempre este.
Complô formado, telefonaram para o Conselho Municipal do Idoso (Comid) e por consenso alegaram que ali vivia uma idosa abandonada pela filha de quarenta anos, casada, que morava na Capital, há 100 Km dali. A existência desta filha também incomodava aquelas senhoras de bem, já que era fruto de um amor de verão com um famoso jogador de futebol de um grande time da capital gaúcha. Bella nunca se casou, mas passou a vida sustentada por ele. A queixa ao Conselho Municipal era que havia uma idosa insana, desorientada, perambulando pela praia, se envolvendo com estranhos, correndo risco de vida. Numa noite, quando Bella saiu para o tradicional trottoir, a síndica ligou para o Conselho Municipal do Idoso, e os conselheiros vieram observá-la. Concordaram com as alegações, anotaram o telefone da filha, ligaram e ameaçaram. A filha, que pouco se importava com a mãe, às 7h da manhã seguinte, com o marido e a empregada, entrou porta a dentro, arrumou as coisas de Bella e a levou para a Capital com o compromisso de interná-la para sonoterapia e tratamento. É! Foi assim que a Bella deixou de incomodar a uns e de alegrar a outros, mas o certo é que fez falta nos dias que restaram daquele veraneio. A filha veio, e a praia se foi...